sábado, 20 de dezembro de 2008

IMPECAVELMENTE

Uma de minhas confessáveis características é meu lado pragmático, literal e obsessivo, em razão da qual, inicio a grande maioria de minhas definições ou mesmo elucubrações reflexivas, a partir dessa sina tipicamente minha. Quando algo me bate como necessidade de esclarecimento, parto frequentemente, pelo que para mim é obvio: o dicionário.

O empreito que me apresenta é desvendar os significados e significantes de algo a que me proponho ao longo dessa existência: ser impecável. De cara e sem preparo me defronto com o fiel Aurélio, de onde extraio o significado de impecável:
1. Não sujeito a pecar; imaculável.
2. Feito com toda a segurança e/ou correção.
3. Sem falha ou defeito; perfeito, correto, irreprochável.

Certa ironia e um humor meio bizarro, me atravessam, ao tomar consciência (pretensiosamente ou não) do significado dessa palavra. Como ficamos (eufemismo de eu) tanto tempo presos a um conceito sem ter sequer uma noção da extensão de seus significados mais óbvios.

É realmente um supra sumo da pretensão (essa, total) querer estar "não sujeito a pecar" ou mesmo "sem falha ou defeito". Não nego meus ideais perfeccionistas, embora eles tenham funcionado para mim mais como justificativas do que atitudes, mas a ilusão do impecável extrapola as esferas do preciosismo.

Percebo em quanta inércia me perdi por não alcançar formas de ser impecável e com isso me furtei da possibilidade de poder tentar e mesmo nas vezes em que tentei e que fiquei pelo caminho por perseguir o irretocável. Posso enumerar alguns grilhões que constituíam essa prisão:
Quis ser um filho impecável,
Quis ser aluno impecável,
Quis ser amigo impecável,
Quis ser profissional impecável,
Quis ser marido impecável,
Quis ser pai impecável,
Quis ser gente impecável.

Desnecessário dizer o quanto me frustrei no que percebi não ser e o quanto me enganei julgando ter conseguido. Arquejaram meus ombros sobre esses fardos, carreguei culpas e infringi punições a mim e a outrem, daquelas piores possíveis, inconscientes, sorrateiras e fugazes para se fazerem imperceptíveis.

Desvelo essa prisão como um inicio de perdão e um pedido de perdão. Não saio incólume dela, creio que sequer saí de fato, mas já vi a porta e sairei por ela sem a presunção da saída impecável e grandiosa. Passarei por ela, torto, tosco e cambaleante, repreensível. O que vejo após ela nada tem de perfeito, mas é mais leve, degustável sem provável indigestão tardia. E, sem duvida cheia de erros.

Considero uma falácia dizer que errar é humano, isso nada mais é que uma precária justificativa para as vezes em que não conseguimos ser. É preciso reconhecer que somos pouco humanos e por isso falhamos muito. Entretanto, o sentido de humanidade é tão intenso que mesmo que tenhamos tão pouco, mesmo possuindo apenas uma fagulha, somos reconhecidos por ele.

Comecei esse texto, confesso, querendo ser impecável, algo como elaborar um tratado de serventia universal. Termino, com um suspiro de alívio reconhecendo ter sido apenas um desabafo, que submeto a todas as críticas. Sei que retornarei a ele mais vezes, necessita de muitos retoques e que mesmo assim, ficará impecavelmente imperfeito.