quinta-feira, 23 de abril de 2009

OUTRAS CAVALGADAS

Um exército de meninos marcha rumo ao norte
Somente sabem disso: são um exército que marcha para o norte
O seu general vistoria as tropas com olhar incrédulo, não sabe pra que tanto menino e porque ir para o norte. Vê-se que o general não corresponde à idade das fileiras. Ele tem altura e monta um cavalo sem cor que não lhe comporta o tamanho. Montado nesse cavalo, seus pés deslizam pelo solo arenoso fazendo uma estrada de brincar com carrinho. E o exercito marcha. À frente o general comanda sem brado. Um pelotão se alvoroça com um corcel tordilho de longas crinas brancas que galopa livre incitando os garotos. Ele não tem sela nem cavaleiro, mas conta com rédeas e cabeçada negra com detalhes em prata. Ensaia galopes. O pelotão de garotos se dirige para capturar o corcel. O general observa, à frente do exército, o movimento daquele pelotão, não os censura. Seu desejo caminha com eles, também quer cavalgar o corcel, sabe que somente ele pode fazê-lo, mas reluta em se consentir.
Sou esse general sem divisas e meu exército numeroso de meninos que deixei para trás, ainda me acompanha levantando auspícios e reminiscências do futuro. Deixei muito menino para trás, mas eles não me deixaram, seguem-me alvissareiros e comedidos a cutucar meus secretos desejos que todos eles sabem. Terei que interrogar um a um, sei disso, mas agora, nesse exato momento quero cavalgar aquele corcel, mesmo sem sela e apetrechos. Não quero domá-lo, só quero cavalgar-lhe nesse chapadão de Minas. Levantar poeira, cortar vento... Respirar e deixar a legião sorrir.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

EU E SHAKESPEARE

Minha relação com os cavalos transcende minha memória, desde que me lembro de alguma coisa lá tinha um cavalo. Foram muitas quedas e muitas montarias eu que sempre me dispus a peão de pensamentos.
Recordo-me da velha Roleta, égua boa de tração e de confiança ilibada. O "velha" é por conta da distância de minha lembrança, não pela idade do animal. Estava eu com uns cinco anos de pensamentos, montado no amplo dorso da Roleta. Meu pai puxava o animal pelo cabresto distraído com seu chapéu e dedicado a picar fumo para próximo cigarro de palha. A Roleta pára de repente, atraída por suculenta moita de capim. Animal de exímio apetite que não se furtava em devorar iguarias verdejantes. O tranqüilo animal se debruça sobre a moita de capim e põe-se a devorá-la. Enquanto isso, minhas mãos se descuidam de sua crina para tocar incômodos mosquitos. A velha Roleta, esquecendo-se de sua carga dá uma enorme sacudida desde as orelhas até a calda. Não sei de qual pensamento eu caí. Ao perceber, já estava sob uma enorme barriga branca que parecia um céu de nuvem única. Minha cabeça, recostada em uma das patas, incomoda o paciente animal que para dar-me licença, afasta o grande corpo em delicado movimento. Este foi o primeiro tombo de um cavalo do qual me recordo. Reclamei da Roleta por ter parado em hora errada, eu esperava mais giro em vez de uma drástica sacudida. E continuaram as Roletas em minha vida, parando tantas vezes sem avisar. Nesses tombos inevitáveis não tomo jeito, pego de Shakespeare emprestado e digo: Meu reino, meu reino por um cavalo. Afinal, nunca houve nem haverá Reis sem cavalos.