quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O SUPER EU

Há descobertas que nos assombram por serem tão contraditórias a nosso ideal de ego, mas não tanto quanto o encobrimento, a ocultação de desejos obscuros que carregamos sem qualquer percepção sobre eles e que mesmo assim pairam sobre nós como sombra sorrateira que direciona nossos comportamentos e nossa maneira de nos posicionar sobre a vida e com o outro.

Fiz descobertas assim sobre mim que sempre construí um ideal de ego democrático, justo, conciliador e respeitador das diferenças entre as pessoas. Entretanto, descobri em mim uma megalomania totalitária e déspota, um desejo sinistramente oculto de dominar e controlar as pessoas.

Lembro-me de Chaplin em o "todo poderoso", em que, numa caricatura de Hitler tripudiava a manifestação egocêntrica e dominadora de um tirano que se via maior e mais capaz que todos os demais e por isso, com justiça, tinha o direito de dominar o mundo e nele cada pessoa, cada indivíduo-objeto.

Essa idéia de indivíduo-objeto decorre de uma contraposição ao sujeito, à subjetividade à manifestação singular de cada um. O indivíduo-objeto não possui direitos que não decorram das benesses daqueles "seres superiores" que se julgam capazes e no suposto direito/dever de controlar a vida dos outros.

Descobri haver em mim um desses seres, um Hitler disfarçado, com vestes de justiça, de bem querer, de produtividade in-decorrentes do liberalismo. Esse meu engodo, transvertido de boa vontade e até de altruísmo. Sob a bandeira da equidade existia em mim uma vontade que todos a meu redor comungassem com meus propósitos de auto-desenvolvimento.

Nessa idealização do outro pensava em seres que enxergassem, como eu, a importância de pequenas coisas como não jogar papel de bala no chão, não usar palito de dentes na frente dos outros, assumir a responsabilidades pelos erros, fosse cordial, cumprimentasse os outros com um aperto de mão firme, olhasse nos olhos das pessoas enquanto falassem, limpassem os pés ao entrar em casa, qualquer casa, que oferecessem de coração um copo d'água e um cafezinho só pra outra pessoa se sentir bem, que cedesse a vez para o motorista que deseja sair do estacionamento ou para o pedestre que precisa atravessar a rua, que respeitasse as crianças e os mais velhos não como um dever, mas como um prazer de ver a esperança de crescer da criança e a sabedoria e experiência dos mais velhos. Que os sorrisos fossem discretos e sinceros, medidas de bem querer e gratuita cortesia. Nos desejos ditatoriais de meu ego oculto existia a vontade de forçar todos a amarem o trabalho e reconhecerem nele uma oportunidade de construção de si próprios e de redenção de seus espíritos.

Que belos desejos, podem parecer. Talvez o próprio Hitler os tivesse tido, a grande questão é que não podem à revelia de cada um, serem impingidos de forma arbitrária, ninguém tem direito nem poder legítimo para isso.

Pergunto-me, além dessas idealizações, o que é possível fazer sem cair no estigma do déspota esclarecido de um Luiz francês. As respostas que consigo, ainda sob o torpor desse reconhecimento particular, se limitam à educação e ajuda. Podemos procurar educar e ajudar nossos filhos, nossos jovens, nossos subordinados e outros, mas com uma ressalva cruel aos pretendentes a educadores e ajudadores: somente se educa e ajuda aqueles dispostos a isso. Somente é possível acontecer tanto educação quanto ajuda, com consentimento e desejo dos educados e ajudados, é claro que nesse suposto confronto cabe convencimento, esse sim legítimo, mesmo que persuasivo, mas jamais coercitivo.

Não me é fácil reconhecer esses sentimentos sorrateiros e facistas em minha personalidade. Maquiavélicos, por sinal, esses desejos ainda me habitam, não tão obscuramente como o faziam. Esse véu que se descortina os intimida, mas não os expulsa, não os subtraem de mim. Estão reclusos, mas atentos ao meu descuido. Orai e vigiai! Tem um grande sentido. Não me vejo imune a recaídas, mas me vejo capaz de percebê-las, mesmo agora, nesse instante, um flash de pensamento perverso me acomete: que vontade abrir a cabeça de alguns e colocar valores decentes e úteis lá dentro.

Um comentário:

Rosana Tibúrcio disse...

Bom, não dá pra ficar sem dar pitaco.
Olha como te entendo, viu?
Eu me esforço o bastante também pra ser menos "implicante", como diria Oswaldo Montenegro, mas abriria bem a cachola de uma meia dúzia, sem dó. Talvez nem costurasse de volta...