terça-feira, 4 de janeiro de 2011

INFANTILIDADES


Todas as infâncias são boas! Sim todas as infâncias são boas. Essa assertiva soa imperativa em meus sentidos não consigo imaginar infâncias infelizes. Pergunto-me sobre essa crença que desafia uma lógica existencial e concreta. Mas teimo em reafirmá-la e percebo uma verdade além do conceito que lhe é atribuído. Infância não é, como muitas vezes tendemos a compreender, uma fase uma etapa do desenvolvimento humano, da qual ninguém se furta dentro dos referenciais orgânicos e fisiológicos. Infância é uma experiência, muito mais que uma etapa, por isso muitos passam pela etapa sem passar pela experiência. A etapa, a fase, pode conter infelicidades, não a experiência. A experiência da Infância só pode ser boa, essa é sua condição inalienável. Nessa infância só se pode ser feliz, não uma felicidade impingida, mas uma felicidade gratuita, ingênua que somente os infantes possuem. Uma infância que vive em inquebrantáveis castelos de sonhos em que se edificam princípios, valores e o caráter.
As crianças estão perdendo esta infância com tudo que esta vida pós-moderna nos proporciona. O que fazer? Não acredito que haja uma única resposta, mas elas, a meu ver passam por colocar os pés na terra, chupar fruta no pé, ler gibis, ouvir contos de fadas, construir um local secreto, fazer o juramento dos três mosqueteiros com os amigos, tomar banho de rio...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

SONHOS E DEVANEIOS

Eu sou eu e tudo aquilo que deixei de ser, as coisas que não fui também me completam deixaram em mim um vazio que não existo sem ele. São sonhos, expectativas, frases não ditas que, no entanto construíram um espaço, um lugar que in-existe.
Não sei fazer a distinção entre sonho e devaneio, minha leitura ainda é pouca para isso. Perco e encontro-me entre eles, sem jogo e sem desejo de definição, quem souber que atire-me a primeira pedra.
Sempre tive um sonho (devaneio) de fazer algo grandioso, que reverberasse na historia e perpetuasse meu nome para que meus descendentes tivessem uma referência da qual pudessem se orgulhar e se sentissem dignos membros da sociedade humana. Não sei o quanto de fato queria que esse devaneio (sonho) se realizasse, mas independente disso necessitei de sua existência, pelo menos no campo dos sonhos/devaneios.
Já quis ser artista de cinema, daqueles mocinhos justiceiros que sempre salvam donzelas, já quis ser o vaqueiro intrépido numa plástica justaposta sobre seu cavalo singrando sertões. Já quis ser faraó e conhecer as magias do Egito, adentrar pelas pirâmides, conhecer-lhes os segredos e repousar no vale dos reis.
Não, não quis ser astronauta, mas mesmo esse não querer também me avoluma, mas quis ser carpinteiro, fazer como Noé uma arca de navegar pensamentos e ficar perdido nesse mar até avistar a terra de algum coração.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

OUTRAS CAVALGADAS

Um exército de meninos marcha rumo ao norte
Somente sabem disso: são um exército que marcha para o norte
O seu general vistoria as tropas com olhar incrédulo, não sabe pra que tanto menino e porque ir para o norte. Vê-se que o general não corresponde à idade das fileiras. Ele tem altura e monta um cavalo sem cor que não lhe comporta o tamanho. Montado nesse cavalo, seus pés deslizam pelo solo arenoso fazendo uma estrada de brincar com carrinho. E o exercito marcha. À frente o general comanda sem brado. Um pelotão se alvoroça com um corcel tordilho de longas crinas brancas que galopa livre incitando os garotos. Ele não tem sela nem cavaleiro, mas conta com rédeas e cabeçada negra com detalhes em prata. Ensaia galopes. O pelotão de garotos se dirige para capturar o corcel. O general observa, à frente do exército, o movimento daquele pelotão, não os censura. Seu desejo caminha com eles, também quer cavalgar o corcel, sabe que somente ele pode fazê-lo, mas reluta em se consentir.
Sou esse general sem divisas e meu exército numeroso de meninos que deixei para trás, ainda me acompanha levantando auspícios e reminiscências do futuro. Deixei muito menino para trás, mas eles não me deixaram, seguem-me alvissareiros e comedidos a cutucar meus secretos desejos que todos eles sabem. Terei que interrogar um a um, sei disso, mas agora, nesse exato momento quero cavalgar aquele corcel, mesmo sem sela e apetrechos. Não quero domá-lo, só quero cavalgar-lhe nesse chapadão de Minas. Levantar poeira, cortar vento... Respirar e deixar a legião sorrir.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

EU E SHAKESPEARE

Minha relação com os cavalos transcende minha memória, desde que me lembro de alguma coisa lá tinha um cavalo. Foram muitas quedas e muitas montarias eu que sempre me dispus a peão de pensamentos.
Recordo-me da velha Roleta, égua boa de tração e de confiança ilibada. O "velha" é por conta da distância de minha lembrança, não pela idade do animal. Estava eu com uns cinco anos de pensamentos, montado no amplo dorso da Roleta. Meu pai puxava o animal pelo cabresto distraído com seu chapéu e dedicado a picar fumo para próximo cigarro de palha. A Roleta pára de repente, atraída por suculenta moita de capim. Animal de exímio apetite que não se furtava em devorar iguarias verdejantes. O tranqüilo animal se debruça sobre a moita de capim e põe-se a devorá-la. Enquanto isso, minhas mãos se descuidam de sua crina para tocar incômodos mosquitos. A velha Roleta, esquecendo-se de sua carga dá uma enorme sacudida desde as orelhas até a calda. Não sei de qual pensamento eu caí. Ao perceber, já estava sob uma enorme barriga branca que parecia um céu de nuvem única. Minha cabeça, recostada em uma das patas, incomoda o paciente animal que para dar-me licença, afasta o grande corpo em delicado movimento. Este foi o primeiro tombo de um cavalo do qual me recordo. Reclamei da Roleta por ter parado em hora errada, eu esperava mais giro em vez de uma drástica sacudida. E continuaram as Roletas em minha vida, parando tantas vezes sem avisar. Nesses tombos inevitáveis não tomo jeito, pego de Shakespeare emprestado e digo: Meu reino, meu reino por um cavalo. Afinal, nunca houve nem haverá Reis sem cavalos.

sábado, 20 de dezembro de 2008

IMPECAVELMENTE

Uma de minhas confessáveis características é meu lado pragmático, literal e obsessivo, em razão da qual, inicio a grande maioria de minhas definições ou mesmo elucubrações reflexivas, a partir dessa sina tipicamente minha. Quando algo me bate como necessidade de esclarecimento, parto frequentemente, pelo que para mim é obvio: o dicionário.

O empreito que me apresenta é desvendar os significados e significantes de algo a que me proponho ao longo dessa existência: ser impecável. De cara e sem preparo me defronto com o fiel Aurélio, de onde extraio o significado de impecável:
1. Não sujeito a pecar; imaculável.
2. Feito com toda a segurança e/ou correção.
3. Sem falha ou defeito; perfeito, correto, irreprochável.

Certa ironia e um humor meio bizarro, me atravessam, ao tomar consciência (pretensiosamente ou não) do significado dessa palavra. Como ficamos (eufemismo de eu) tanto tempo presos a um conceito sem ter sequer uma noção da extensão de seus significados mais óbvios.

É realmente um supra sumo da pretensão (essa, total) querer estar "não sujeito a pecar" ou mesmo "sem falha ou defeito". Não nego meus ideais perfeccionistas, embora eles tenham funcionado para mim mais como justificativas do que atitudes, mas a ilusão do impecável extrapola as esferas do preciosismo.

Percebo em quanta inércia me perdi por não alcançar formas de ser impecável e com isso me furtei da possibilidade de poder tentar e mesmo nas vezes em que tentei e que fiquei pelo caminho por perseguir o irretocável. Posso enumerar alguns grilhões que constituíam essa prisão:
Quis ser um filho impecável,
Quis ser aluno impecável,
Quis ser amigo impecável,
Quis ser profissional impecável,
Quis ser marido impecável,
Quis ser pai impecável,
Quis ser gente impecável.

Desnecessário dizer o quanto me frustrei no que percebi não ser e o quanto me enganei julgando ter conseguido. Arquejaram meus ombros sobre esses fardos, carreguei culpas e infringi punições a mim e a outrem, daquelas piores possíveis, inconscientes, sorrateiras e fugazes para se fazerem imperceptíveis.

Desvelo essa prisão como um inicio de perdão e um pedido de perdão. Não saio incólume dela, creio que sequer saí de fato, mas já vi a porta e sairei por ela sem a presunção da saída impecável e grandiosa. Passarei por ela, torto, tosco e cambaleante, repreensível. O que vejo após ela nada tem de perfeito, mas é mais leve, degustável sem provável indigestão tardia. E, sem duvida cheia de erros.

Considero uma falácia dizer que errar é humano, isso nada mais é que uma precária justificativa para as vezes em que não conseguimos ser. É preciso reconhecer que somos pouco humanos e por isso falhamos muito. Entretanto, o sentido de humanidade é tão intenso que mesmo que tenhamos tão pouco, mesmo possuindo apenas uma fagulha, somos reconhecidos por ele.

Comecei esse texto, confesso, querendo ser impecável, algo como elaborar um tratado de serventia universal. Termino, com um suspiro de alívio reconhecendo ter sido apenas um desabafo, que submeto a todas as críticas. Sei que retornarei a ele mais vezes, necessita de muitos retoques e que mesmo assim, ficará impecavelmente imperfeito.

sábado, 29 de novembro de 2008

NÓIS NA AREIA

Um mineiro na praia sempre foi algo meio atípico, nós que nos furtamos da graça de possuir um litoral. Mas também seria demais, se além de nossas montanhas pudéssemos contar com a beleza de um litoral, iríamos arrebentar! Mas se a praia não vem até nós, nós vamos até a praia, os capixabas que o digam. Mas tem mineiro mais insolente que alem de freqüentar praia com mais status acaba estabelecendo nelas seus marcos. Essa proeza, somente podem fazê-la aqueles que possuem um espírito das montanhas que os torna capazes de, diante das praias, apreciar sua beleza, encantar com seus encantos e fazer delas santuários hedonistas sem se render a elas, sem permitir que elas os invada, que alcancem sua profundidade. Ao contrário, às vezes sem destemor, nós é que invadimos (intra-extra literalidade) a praia dos outros.
Grande exemplo disso é o caso do mineirim, o nosso Drummond que tanto invadiu Copacabana que por lá ficou como estátua sendo observado pela praia. Eternamente, se os desafetos ou invejosos da poesia assim o permitirem. Coincidência ou não, nos sete anos em que a estátua de Drummond está na praia de Copacabana, já foi sete vezes depredada, desta vez levaram a haste direita dos óculos do poeta, talvez numa expectativa de que ele, meio míope, não pudesse se apoderar daquelas belezas que apenas ele conseguia ver entre as trivialidades cotidianas. Talvez creiam esses vândalos que a lente de Drummond estivesse nos óculos, ou talvez seja até um sinal de respeito-despeito de que o danado do Drummond, mesmo no bronze e de costas possa ver Copacabana como poucos cariocas conseguem.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O DONO DO NEGÓCIO

É incrível como a gente ainda se surpreende com um bom atendimento, mesmo sabendo que isso deveria ser uma obrigação de quem atende. Isso me ocorreu recentemente. Estava passando próximo a uma casa loteria e resolvi dar uma chance à sorte. Entrei com o propósito de fazer uma “surpresinha” da megasena. Jogo que faço eventualmente, sempre o da mega, por razões que reportam a resquícios de uma falha nos recalques narcísicos.

Lá estava eu frente ao caixa, uma senhora com sorriso simpático me atende olhando através do vidro transparente do guichê. Solicito meu jogo. Ela puxa conversa fazendo um comentário que me passa despercebido, mas que me faz voltar para ela. Ela me oferece outro jogo que estava com prêmio acumulado, segundo ela, e que seria apenas alguns centavos a mais, era mais uma oportunidade para minha sorte. Concordo com ela e aceito. Em seguida comento ser ela muito boa vendedora, ela agradece gentilmente e diz que esse é seu trabalho, a desenvoltura e a simplicidade dela me surpreendem positivamente. Ela astutamente (não um astuto ostensivo, mas discreto e convidante) percebe meu interesse e comenta existirem mais dois outros tipos de jogos que estavam acumulados com sorteio para essa semana. Finjo não ouvir o comentário dela e pergunto quanto havia ficado minha conta, ela comenta rapidamente o valor como se tentasse passar por esse assunto rapidamente (e o faz com maestria) sem se ater a ele e sem deixar de me dar uma satisfação. Insiste cordialmente que aquela poderia ser minha semana de sorte e que por mais alguns trocados registraria outros cartões para mim. Comento ser ela muito hábil em convencer as pessoas. Fazia isso sem causar aquela típica antipatia de vendedores insistentes. Pergunto o obvio, com uma ingenuidade dos ignorantes se ela gostava de seu trabalho. Ela responde que sim, mas que era dona do negócio. É mesmo? Retruco plácidamente elaborando uma expressão de surpresa. É - ela responde – “a gente tenta passar isso para os outros, mas não consegue” (se referindo à forma de atender). Entre esse papo que vai e vem, saí da loja com vários jogos que não tinha a menor intenção de comprar. Sabia que tinha sido "usado e abusado" pela gentil senhora e mesmo assim... estava satisfeito. Como pode? Mesmo sabendo se tratar de uma das mais antigas técnicas de vendas, a venda adicional, eu caíra na "armadilha", com muita satisfação. Saí feliz por ter encontrado uma pessoa educada, cordial e competente e o que ela fez? Aquilo que deveríamos fazer todo o tempo naturalmente: respeitar as pessoas, fazê-las se sentirem bem e daí, até ter o direito de explorar um pouquinho, como a senhora fez comigo.

É claro que sempre que puder irei lá, com ela, fazer a minha fezinha, pegarei fila se for preciso mesmo que outro atendente esteja desocupado, estou certo que esse tempo que gastarei a mais será recompensado por uma gentileza gratuita. Enquanto ela me cobra pelos jogos que registra eu pago principalmente pelo seu cordial atendimento.

Que negócio é esse de ser dono daquilo que faz?