sexta-feira, 29 de agosto de 2008

PÃO BRANCO

Estou em um supermercado e fui assaltado por sua presença entre os descuidos de pequenas compras.Um pão branco, branco adjetivo, nem gosto de pão e muito menos de pão branco, esse pãozinho francês, popular entre nós. Mas comprei esse pão sem a morenisse costumeira pelo sabor que trouxe à minha memória, retardo comê-lo como se a demora mantivesse a mim a presença de Nath, minha amada filha.

Convoco os olhares de minha memória e a revejo tantas vezes, sempre bela, delicada e firme. Nunca falamos muito, não me dei prazer para isso, mas ainda sinto o roçar de suas delicadas mãos entre as minhas sob seu olhar manso, sereno e com tamanha perspicácia que me perpassa a alma. A Nath é meu amor secreto desde sua puberdade, antes disso, era bem declarado como subscrito de cada fala nossa: eu te amo, eu te adoro! Sua resposta jamais me escapa: eu te amo, eu te adoro.

Emudeço, penso no pão à minha espera o pão branco como a Nath gosta, nunca entendi essa sua preferência, mas hoje agradeço por ela, uma pequena particularidade que a tirou do fundo do meu coração para se presenciar aqui à flor da pele e no fundo dos olhos. Olho no espelho para ver a minha menina.

Além de pão branco a Nath gosta de ovo frito bem passado, mas sem queimar as beiradinhas, deve ficar redondinho para se comer com arroz branco ou sanduíche regado a suco de uva.

Tenho particular sensibilidade a odores, me proporcionam idéias e evocações, mas hoje fui preso por esse pão branco, insensato para todos os demais. Quantos pães brancos temos? Creio poucos com essa capacidade de nos enlevar a sentimentos e pessoas queridas. Mas existem pães brancos a alimentar os pilares de nossa vida. Me parecem de repente tão frágeis. Repenso. Não são frágeis, delicados sim, frágeis não, têm tamanha resistência que sobrevivem aos anos, às chuvas dos olhos, à erosão das mãos e das saudades e das distâncias pra dentro e pra fora da gente.

Estou guardando esse pão branco até à noite quando pretendo comê-lo com minha boca e meus sonhos e poder gozar um pouco mais dessa deliciosa presença que machuca de saudade e embala de alegria.

2 comentários:

Rosana Tibúrcio disse...

Adorei saber que sua Nath gosta de pão branco. Sempre imaginava que era tão sem-graça quem deles gosta.
Amo esses odores também, não só de alguma comida, como também do cheiro do tempo. Mais do que vejo, ouço, toco ou degusto, o olfato me dá essa sensação de saudade, mas mais das coisas da natureza que de comida...
Estranho, nunca havia pensado disso.
Lindo resto de sexta-feira e bom pão!!!

Anônimo disse...

Eu não consigo. Eu poderia comentar tantas coisas sobre essse texto! Quem sabe eu pudesse enumerar o que tem sido o meu 'pão branco'. Mas esse texto, é tão lindo, em construção e em sentido, que me permito admirar e só.

Abraço forte, Genis!