sábado, 20 de dezembro de 2008

IMPECAVELMENTE

Uma de minhas confessáveis características é meu lado pragmático, literal e obsessivo, em razão da qual, inicio a grande maioria de minhas definições ou mesmo elucubrações reflexivas, a partir dessa sina tipicamente minha. Quando algo me bate como necessidade de esclarecimento, parto frequentemente, pelo que para mim é obvio: o dicionário.

O empreito que me apresenta é desvendar os significados e significantes de algo a que me proponho ao longo dessa existência: ser impecável. De cara e sem preparo me defronto com o fiel Aurélio, de onde extraio o significado de impecável:
1. Não sujeito a pecar; imaculável.
2. Feito com toda a segurança e/ou correção.
3. Sem falha ou defeito; perfeito, correto, irreprochável.

Certa ironia e um humor meio bizarro, me atravessam, ao tomar consciência (pretensiosamente ou não) do significado dessa palavra. Como ficamos (eufemismo de eu) tanto tempo presos a um conceito sem ter sequer uma noção da extensão de seus significados mais óbvios.

É realmente um supra sumo da pretensão (essa, total) querer estar "não sujeito a pecar" ou mesmo "sem falha ou defeito". Não nego meus ideais perfeccionistas, embora eles tenham funcionado para mim mais como justificativas do que atitudes, mas a ilusão do impecável extrapola as esferas do preciosismo.

Percebo em quanta inércia me perdi por não alcançar formas de ser impecável e com isso me furtei da possibilidade de poder tentar e mesmo nas vezes em que tentei e que fiquei pelo caminho por perseguir o irretocável. Posso enumerar alguns grilhões que constituíam essa prisão:
Quis ser um filho impecável,
Quis ser aluno impecável,
Quis ser amigo impecável,
Quis ser profissional impecável,
Quis ser marido impecável,
Quis ser pai impecável,
Quis ser gente impecável.

Desnecessário dizer o quanto me frustrei no que percebi não ser e o quanto me enganei julgando ter conseguido. Arquejaram meus ombros sobre esses fardos, carreguei culpas e infringi punições a mim e a outrem, daquelas piores possíveis, inconscientes, sorrateiras e fugazes para se fazerem imperceptíveis.

Desvelo essa prisão como um inicio de perdão e um pedido de perdão. Não saio incólume dela, creio que sequer saí de fato, mas já vi a porta e sairei por ela sem a presunção da saída impecável e grandiosa. Passarei por ela, torto, tosco e cambaleante, repreensível. O que vejo após ela nada tem de perfeito, mas é mais leve, degustável sem provável indigestão tardia. E, sem duvida cheia de erros.

Considero uma falácia dizer que errar é humano, isso nada mais é que uma precária justificativa para as vezes em que não conseguimos ser. É preciso reconhecer que somos pouco humanos e por isso falhamos muito. Entretanto, o sentido de humanidade é tão intenso que mesmo que tenhamos tão pouco, mesmo possuindo apenas uma fagulha, somos reconhecidos por ele.

Comecei esse texto, confesso, querendo ser impecável, algo como elaborar um tratado de serventia universal. Termino, com um suspiro de alívio reconhecendo ter sido apenas um desabafo, que submeto a todas as críticas. Sei que retornarei a ele mais vezes, necessita de muitos retoques e que mesmo assim, ficará impecavelmente imperfeito.

sábado, 29 de novembro de 2008

NÓIS NA AREIA

Um mineiro na praia sempre foi algo meio atípico, nós que nos furtamos da graça de possuir um litoral. Mas também seria demais, se além de nossas montanhas pudéssemos contar com a beleza de um litoral, iríamos arrebentar! Mas se a praia não vem até nós, nós vamos até a praia, os capixabas que o digam. Mas tem mineiro mais insolente que alem de freqüentar praia com mais status acaba estabelecendo nelas seus marcos. Essa proeza, somente podem fazê-la aqueles que possuem um espírito das montanhas que os torna capazes de, diante das praias, apreciar sua beleza, encantar com seus encantos e fazer delas santuários hedonistas sem se render a elas, sem permitir que elas os invada, que alcancem sua profundidade. Ao contrário, às vezes sem destemor, nós é que invadimos (intra-extra literalidade) a praia dos outros.
Grande exemplo disso é o caso do mineirim, o nosso Drummond que tanto invadiu Copacabana que por lá ficou como estátua sendo observado pela praia. Eternamente, se os desafetos ou invejosos da poesia assim o permitirem. Coincidência ou não, nos sete anos em que a estátua de Drummond está na praia de Copacabana, já foi sete vezes depredada, desta vez levaram a haste direita dos óculos do poeta, talvez numa expectativa de que ele, meio míope, não pudesse se apoderar daquelas belezas que apenas ele conseguia ver entre as trivialidades cotidianas. Talvez creiam esses vândalos que a lente de Drummond estivesse nos óculos, ou talvez seja até um sinal de respeito-despeito de que o danado do Drummond, mesmo no bronze e de costas possa ver Copacabana como poucos cariocas conseguem.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O DONO DO NEGÓCIO

É incrível como a gente ainda se surpreende com um bom atendimento, mesmo sabendo que isso deveria ser uma obrigação de quem atende. Isso me ocorreu recentemente. Estava passando próximo a uma casa loteria e resolvi dar uma chance à sorte. Entrei com o propósito de fazer uma “surpresinha” da megasena. Jogo que faço eventualmente, sempre o da mega, por razões que reportam a resquícios de uma falha nos recalques narcísicos.

Lá estava eu frente ao caixa, uma senhora com sorriso simpático me atende olhando através do vidro transparente do guichê. Solicito meu jogo. Ela puxa conversa fazendo um comentário que me passa despercebido, mas que me faz voltar para ela. Ela me oferece outro jogo que estava com prêmio acumulado, segundo ela, e que seria apenas alguns centavos a mais, era mais uma oportunidade para minha sorte. Concordo com ela e aceito. Em seguida comento ser ela muito boa vendedora, ela agradece gentilmente e diz que esse é seu trabalho, a desenvoltura e a simplicidade dela me surpreendem positivamente. Ela astutamente (não um astuto ostensivo, mas discreto e convidante) percebe meu interesse e comenta existirem mais dois outros tipos de jogos que estavam acumulados com sorteio para essa semana. Finjo não ouvir o comentário dela e pergunto quanto havia ficado minha conta, ela comenta rapidamente o valor como se tentasse passar por esse assunto rapidamente (e o faz com maestria) sem se ater a ele e sem deixar de me dar uma satisfação. Insiste cordialmente que aquela poderia ser minha semana de sorte e que por mais alguns trocados registraria outros cartões para mim. Comento ser ela muito hábil em convencer as pessoas. Fazia isso sem causar aquela típica antipatia de vendedores insistentes. Pergunto o obvio, com uma ingenuidade dos ignorantes se ela gostava de seu trabalho. Ela responde que sim, mas que era dona do negócio. É mesmo? Retruco plácidamente elaborando uma expressão de surpresa. É - ela responde – “a gente tenta passar isso para os outros, mas não consegue” (se referindo à forma de atender). Entre esse papo que vai e vem, saí da loja com vários jogos que não tinha a menor intenção de comprar. Sabia que tinha sido "usado e abusado" pela gentil senhora e mesmo assim... estava satisfeito. Como pode? Mesmo sabendo se tratar de uma das mais antigas técnicas de vendas, a venda adicional, eu caíra na "armadilha", com muita satisfação. Saí feliz por ter encontrado uma pessoa educada, cordial e competente e o que ela fez? Aquilo que deveríamos fazer todo o tempo naturalmente: respeitar as pessoas, fazê-las se sentirem bem e daí, até ter o direito de explorar um pouquinho, como a senhora fez comigo.

É claro que sempre que puder irei lá, com ela, fazer a minha fezinha, pegarei fila se for preciso mesmo que outro atendente esteja desocupado, estou certo que esse tempo que gastarei a mais será recompensado por uma gentileza gratuita. Enquanto ela me cobra pelos jogos que registra eu pago principalmente pelo seu cordial atendimento.

Que negócio é esse de ser dono daquilo que faz?

O SUPER EU

Há descobertas que nos assombram por serem tão contraditórias a nosso ideal de ego, mas não tanto quanto o encobrimento, a ocultação de desejos obscuros que carregamos sem qualquer percepção sobre eles e que mesmo assim pairam sobre nós como sombra sorrateira que direciona nossos comportamentos e nossa maneira de nos posicionar sobre a vida e com o outro.

Fiz descobertas assim sobre mim que sempre construí um ideal de ego democrático, justo, conciliador e respeitador das diferenças entre as pessoas. Entretanto, descobri em mim uma megalomania totalitária e déspota, um desejo sinistramente oculto de dominar e controlar as pessoas.

Lembro-me de Chaplin em o "todo poderoso", em que, numa caricatura de Hitler tripudiava a manifestação egocêntrica e dominadora de um tirano que se via maior e mais capaz que todos os demais e por isso, com justiça, tinha o direito de dominar o mundo e nele cada pessoa, cada indivíduo-objeto.

Essa idéia de indivíduo-objeto decorre de uma contraposição ao sujeito, à subjetividade à manifestação singular de cada um. O indivíduo-objeto não possui direitos que não decorram das benesses daqueles "seres superiores" que se julgam capazes e no suposto direito/dever de controlar a vida dos outros.

Descobri haver em mim um desses seres, um Hitler disfarçado, com vestes de justiça, de bem querer, de produtividade in-decorrentes do liberalismo. Esse meu engodo, transvertido de boa vontade e até de altruísmo. Sob a bandeira da equidade existia em mim uma vontade que todos a meu redor comungassem com meus propósitos de auto-desenvolvimento.

Nessa idealização do outro pensava em seres que enxergassem, como eu, a importância de pequenas coisas como não jogar papel de bala no chão, não usar palito de dentes na frente dos outros, assumir a responsabilidades pelos erros, fosse cordial, cumprimentasse os outros com um aperto de mão firme, olhasse nos olhos das pessoas enquanto falassem, limpassem os pés ao entrar em casa, qualquer casa, que oferecessem de coração um copo d'água e um cafezinho só pra outra pessoa se sentir bem, que cedesse a vez para o motorista que deseja sair do estacionamento ou para o pedestre que precisa atravessar a rua, que respeitasse as crianças e os mais velhos não como um dever, mas como um prazer de ver a esperança de crescer da criança e a sabedoria e experiência dos mais velhos. Que os sorrisos fossem discretos e sinceros, medidas de bem querer e gratuita cortesia. Nos desejos ditatoriais de meu ego oculto existia a vontade de forçar todos a amarem o trabalho e reconhecerem nele uma oportunidade de construção de si próprios e de redenção de seus espíritos.

Que belos desejos, podem parecer. Talvez o próprio Hitler os tivesse tido, a grande questão é que não podem à revelia de cada um, serem impingidos de forma arbitrária, ninguém tem direito nem poder legítimo para isso.

Pergunto-me, além dessas idealizações, o que é possível fazer sem cair no estigma do déspota esclarecido de um Luiz francês. As respostas que consigo, ainda sob o torpor desse reconhecimento particular, se limitam à educação e ajuda. Podemos procurar educar e ajudar nossos filhos, nossos jovens, nossos subordinados e outros, mas com uma ressalva cruel aos pretendentes a educadores e ajudadores: somente se educa e ajuda aqueles dispostos a isso. Somente é possível acontecer tanto educação quanto ajuda, com consentimento e desejo dos educados e ajudados, é claro que nesse suposto confronto cabe convencimento, esse sim legítimo, mesmo que persuasivo, mas jamais coercitivo.

Não me é fácil reconhecer esses sentimentos sorrateiros e facistas em minha personalidade. Maquiavélicos, por sinal, esses desejos ainda me habitam, não tão obscuramente como o faziam. Esse véu que se descortina os intimida, mas não os expulsa, não os subtraem de mim. Estão reclusos, mas atentos ao meu descuido. Orai e vigiai! Tem um grande sentido. Não me vejo imune a recaídas, mas me vejo capaz de percebê-las, mesmo agora, nesse instante, um flash de pensamento perverso me acomete: que vontade abrir a cabeça de alguns e colocar valores decentes e úteis lá dentro.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

DENTRO DE MIN-AS

Sempre abominei o ufanismo, centrar-se sobre supostas glórias de um território sempre me pareceu pequeno, muito condescendente, e contrário ao sentimento de colocar-nos a todos dentro de uma raça, a humana. Mesmo mantendo essa posição devo render-me a algumas coisas que podem ser exclusivamente inerentes a um povo ou lugar. Com isso constato que os lugares causam algumas características a seu povo e essas características acabam por tornarem-se verdadeiras identidades. Não creio que ninguém possa ou deva se vangloriar disso, é apenas um fato que minha defesa anti-ufanismo impedia de constatar.
Esse preâmbulo todo objetiva justificar as constatações de Minas em mim, eu que sempre quis ser cidadão do mundo, sou de Minas constitutivamente. Posso até pertencer ao mundo todo, mas não antes de pertencer a Minas. Suas montanhas estão em mim tão irrefutáveis quanto a serra da Mantiqueira ou do Caparó ou essas outras pequenas serras anônimas, músculos de meu corpo.
Não somos mineiros o tempo todo, mas somos aqueles que vez por outra ouvimos um chamado do alto das montanhas ao qual não podemos nos omitir.
Enquanto mineiros não fugimos à luta, não tememos empreito. Mineiro embrenha-se em matos, em pântanos, mas resolve o empenho. O mineiro é aquele que se atreve à escuridão das minas para trazer ouro. Isso hoje não é fácil, nossas minas andam escassas e os veios de ouro não estão à mostra. É preciso garimpar muito para alcançar os filões em nossas terras e em nossas profundezas, mas não tenho duvidas, estão lá e como "mineiros eventuais" podemos às vezes alcançá-los.
Montanhas e minas evocam um brado meu, um brado rouco, emudecido no tempo e que teima se anunciar. Já não posso contê-lo, rejeitei-o sob as montanhas de meu peito e interditei todas as estradas que as serpenteavam para alcançar seu cume. Deixei minha morada ao pé da montanha, fortaleza incrustada em pedras, forte de não cair, para sair alpinista até seu topo. Estou saindo das minas, encontrei pequena pedra de ouro, ainda suja, envolta em terra, mas que preciso mostrar sob pena de expatriação. Para muitos será apenas pirita, mas para mim é puro ouro. Muito tempo neguei minha necessidade de escrever, embora sempre o tenha feito desde os primórdios de minha infância e de minha alfabetização. Jamais o havia admitido assim registradamente para mim e para quem o quiser. Razões e recalques me impediram de fazê-lo e me neguei ser de Minas, deixei de perscrutar minha mina mais importante, de encarar sua negrura de cavar suas terras, de levar-lhe a luz de reconhecimento e se admitir mineiro que precisa expor pela escrita as coisas que o aflige, as coisas que julga ver e as coisas que pensa esconder. Redimo-me hoje, do alto da mais alta montanha de Minas do meu pico da bandeira: quero escrever, preciso escrever. Esse sou eu com meus inversos, com minha escrita canhestra diante de tantos mestres. Envergonho-me sim diante deles e de todos os demais, mas me escancaro, me encaro e me admito. Minas de Minas, minas de mim, se misturam e se encontrarão sempre em minhas palavras, meus pontos e minhas reticências.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

JOGOS VITAIS

As cartas estão embaralhadas na tela do monitor, o jogo me é estranho e sem nexo, não me trás o esperado alento cognitivo em que minha mente deixa de vaguear por labirintos dolorosos ou vagabundeantes para centrar-se no jogo e exercitar alguns neurônios. Apossamos-nos de muitos significantes em nossa vida e o free cell me é um desses. Se por vezes o procuro pra descongestionar as preocupações, busco subterfugiamente com ele um encontro com uma diva infantil.

Há dias que não falo com ela, Ina, Ininha, minha adorada filha. Estou precisando que ela jogue as cartas do tarô, coisa que faz magistralmente para mim, pois sempre encontra sentidos que desconheço.

Creio que tinha por volta de oito anos quando destacou um encarte de uma revista. Era um baralho de tarô. A partir de então ela começou a ler cartas para mim. Coitadas de videntes e mestres de qualquer baralho místico, quando chega a Ininha com seu especial baralho, não tenho para mais ninguém.

Percebo agora que os jogos foram maneiras que construímos para estarmos juntos. Jogávamos free cell, um jogo individual que jogávamos magistralmente a dois, a sua mão no mouse, eventualmente a minha sobre a dela, "somente" para indicar uma jogada melhor. Sempre procurava poder oferecer mais alternativas, assim podia abarcar aquela suave mão com a minha, com a devida justificativa.

As leituras do tarô também eram especiais, sentados em roda de dois, ela jogava as cartas pelo chão, pausava seu dedo indicador sobre uma carta, inclinava a cabeça de lado, olhava pro alto, muito alto, sorria me olhando e dizia-me uma sentença extremamente significativa. Mais que suas criativas interpretações a sua existência dava razão para a minha. Obrigado, nada mais consigo dizer.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

RECEITAS DE VIDA

Eu queria uma receita de vida, de felicidade não. A felicidade é para bobos, aqueles bobos da Lispector. Eu não sou tão bobo assim para ousar tanta pretensão. Só quero aprender a viver. Conciliar as demandas entre mim e o mundo. Pacificar o coração e domar a mente revolta. Assossegar sob uma árvore e deixar-me cobrir pelas folhas que caem, uma por vez, sem pressa.

Emudeço quando tenho algo a me dizer, engasgo, coço a cabeça, esfrego o rosto com as mãos e dissipo.

Sinto-me tão modesto, parece tão pouco esse ambicioso desejo. Procuro receitas para jogar fora e ter assunto.

Vejo-me os outros, parecem estar todos bem em suas casamatas. Defendamo-nos! Essa parece uma boa receita desde que não se pergunte de que, ou de quem.

Mandem-me uma receita, uma receitinha simples, sem muito tempero para que eu possa não gostar. Mas ponham pimenta. Por garantia de emoção, acrescentem cebolas. Lágrimas sempre limpam alguma coisa. Misturem algo doce, um pouquinho de mel talvez, porque senão nem chegarei perto. Toda vida precisa de uma isca.

Aprender pescar é outra boa receita. Lancem os anzóis. Cuidado com os tubarões, somos vorazes e sem cautela. Queremos uma receita, só pra poder devolver.

LÓGICA MORTAL

Se sempre é igual a nunca
Nunca é sempre igual

Eu mudo
mudo

Tudo muda o tempo todo
O tempo muda tudo
O todo muda o tempo
A vida muda,
Porque se falar morre!

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

PRESSÕES CONJUGAIS

Existe pressão maior que uma pressão conjugal? Difícil, você dorme com ela (literalmente) acorda, almoça, vive com ela. Até que ela se satisfaça não tem remédio senão uma rendição incondicional. Desde que soube que eu estaria montando um blog (e começando a escrever alguma coisa, além disso), minha mulher vive a me pressionar para que escreva algo sobre ela. Questiona-me: Não te inspiro nada? Choro de musa.

Não sei dos outros que escrevem, mas não funciono assim, de forma a escrever sobre algo que seja importante ou algo ou alguém que ame muito. Não consigo escrever dentro de uma hierarquia de apreços ou importâncias. Escrevo simplesmente quando a "coisa" vem e tenho condições para expressá-la em palavras. Passou, acabou.

Lembro-me certa vez, estava em uma roda de amigos fazendo serenata para a namorada de um deles. Esse queria uma frase para colocar num bilhete junto a uma flor que deixaria na janela. Falei a frase mais linda do mundo, todos emudeceram diante do impacto da inusitada frase romântica. Pediram-me pra repetir, jamais consegui. Se alguma inspiração me vem, tenho que escrevê-la de imediato sob pena de jamais conseguir me lembrar.

De igual forma não adianta querer forçar-me a um assunto, mesmo que o ache importantíssimo, se o mesmo não me vier com gratuidade. Não consigo falar sobre ele com alguma propriedade se não for de forma espontânea e natural. Isso me escapa completamente ao controle.

Então, sob pressão redijo essas linhas reafirmando à minha querida esposa o quanto ela é importante em minha vida e agradecer-lhe todo o apoio que dela recebo. Desculpo-me por não conter as flores e a poesia que ela merece e almeja. Sem dúvida as semeou por mim, eu é que andei muito estéril para fazê-las germinar, mas algo do que ela espera há de vingar. Há tempo e solo.

AMIZADES E CATIVIDADES

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Essa é uma célebre frase da raposa ao pequeno príncipe. Não sei se concordo com a raposa. Bem, não concordo com a raposa. Para mim a amizade é a forma mais sublime de amor e por isso libertadora, tudo que existir aquém disso ainda não é amizade.

Na amizade nunca damos a merecida e suficiente importância aos amigos e mesmo assim permanecem conosco. Na catividade tudo o que damos é sempre pouco. A catividade é cobrada em quilômetros de atenção, a amizade se satisfaz com milésimos de lembrança.

Sinto-me livre de meus amigos. Tanto que passo muito tempo sem dar menor notícia e depois apareço com a maior cara de pau como se tivéssemos nos encontrado ontem. Pra mim, de fato é assim, apesar de ficar "distante" muito tempo, meus amigos permanecem sempre comigo.

Disse uma vez, que havia aprendido a gostar das pessoas sem esperar que correspondessem à minhas expectativas. Na verdade, estou aprendendo a fazer isso, pretendo gastar pelo menos essa existência nesse empreito. Já tive amigos que não eram amigos e amigos a quem custei reconhecer, coisa que é só possível com muito, muito tempo.

O tempo é o maior juiz das amizades, faz ruir as pretensas e edifica as verdadeiras. Mas as amizades não nascem assim... grandes, começam por uma simpatia, um respeito e uma admiração. A amizade sementinha é extremamente delicada, precisa do acalanto do silêncio e do embalo da compreensão.

Se enquanto semente, ou jovem planta, ainda é frágil, a amizade já amadurecida é quase inabalável. Ressalvo o quase como um remédio que tomo antecipadamente aos silogismos.

Não sou bom em amizades tanto que tenho poucas. Por isso não tenho nenhuma pretensão em ditar cátedra, apenas expresso essas minhas crenças, eu que me decidi um falante pela escrita.

Eu tenho saudade de meus amigos justamente quando os encontro. Não queria ter estado longe, mas enquanto estava não me apercebia disso. Quando estou junto, acho maravilhoso. Juro a mim mesmo que não distanciarei tanto tempo. Depois vou embora e me esqueço. Perco-me nas merrecas cotidianas e na enorme confiança de que estão sempre à minha espera. Essa não me parece uma atitude reta e louvável, mas é assim que me ocorre. Algo de sádico e punitivo, que me pertence e que me infrinjo em redenção à culpa de sentir tanto prazer em estar com vocês, meus amigos.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

MISTÉRIO TERCEIRIZADO

Por Flávius Mondragon

O meu gozo está em não me fazer conhecer, mais do que isso está no que desconhecem de mim. Esse meu mistério terceirizado como forma de existência se apoderou tanto de mim que me desconheci. Nas pretensas tentativas de não deixar-me conhecer aos outros, deixei de conhecer a mim mesmo. E vivi muito tempo na ilusão consoladora de ser um auto-buscador, mas o que verdadeiramente fazia era me esconder nos escombros do orgulho, da arrogância e da pretensão.

Hoje o que tenho sobre mim é apenas uma percepção mais sentida que racionalizada, algo um tanto indefinível nas minhas valorizadas intelectualizações. Vivi um grande engôdo na saga de minha vida. Escondi-me o tempo todo. Me perdi nesses labirintos de-mentes. Quando dei por mim, numa fulgás percepção, não me sabia, era um estranho.

Não se deve, contudo, se deixarem iludir pela conjugação no passado, ela ocorre pela simples presunção ou pelo ansioso desejo de que essa constatação de desconhecimento e perda, seja por si só o inicio de um encontro de mim comigo. Um encontro, como profundamente se pode expressar essa palavra, é algo que não passa com o tempo, pois o tempo apenas reafirma sua perenidade além dos espaços cronológicos que se interpõem entre aqueles cujas almas se reconheceram.

Entretanto coloca-se aqui uma condição: não se reconhece o outro antes de reconhecer a si próprio. Vejo me então completamente sozinho pois ruem as construções que imaginei ter erguido com algumas pessoas. Elas de fato não existem, são apenas ilusões de ilusões que julguei perceber nas pessoas, nada mais eram que reflexos de quimeras construídas sobre personagens que personifiquei nos corpos de algumas pessoas, entre as quais, algumas ousei chamar de amigos.

Sou um mistério desgastado, descolorido pelo guardado num báu inominado, sem identidade. Um mistério cheio de sem segredos, que se abarrota e não se cabe.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

EFEITOS DA BALA

Por Fernando Montesquieu

Um pequeno pedaço de alegria enrolado em um papel colorido, muitos sabores, e muita magia. Essa iguaria infantil tem desafiado o tempo e se mantido no topo das guloseimas. Qual criança rejeita a oferta de uma bala? É Claro que ela fêz um upgrade, usa roupas de moda e procura estar elegante para não cair do gosto da garotada. Entre novos sabores, formas e fragrâncias se mantêm firme a povoar o universo infantil.

Não saberia dizer com propriedade seus significados de hoje, mas com as devidas adaptações não parecem tão distantes daqueles que existiam nos idos de minha infância. Não tínhamos a fartura de ofertas que existe hoje, naqueles tempos ganhávamos balas muito raramente, normalmente uma vez por mês quando do sortimento mensal da dispensa.

Morávamos na roça, num desses rincões à beira de um riacho que provia a casa de água e os dias de verão de refrescantes banhos. A estrada que levava à cidade serpenteava a serra que ficava à distância da vista, mesmo do outro lado da vida. No sagrado dia das compras, meu pai antecipava sua madrugada e eu calçado de expectativas ficava ao pé da porteira do curral soltando bezerros na hora da ordenha. Meu pai fumava seu cigarro de palha e eu as brumas da madrugada.

Antes da graça do sol, com o cavalo já selado, meu pai se perdia cedo de meus olhos, indo na direção da cidade, deixando o tropel do cavalo ecoando por toda a manhã. Crescia a expectativa à medida que caminhava o dia. Entre um afazer e uma brincadeira, sentávamos à soleira da porta e deitávamos o olhar na serra divisando o percurso da estrada, procurando distinguir algum cavaleiro.

Como o tardar das boas coisas e após muitos olhares lá vinha ele com os alforjes carregados. Após descarregar todas as compras, meu pai nos olhava desentendido aguçando a espera. Seu olhar se abria, destacava do bolso um saquinho de papel e me estendia com a expressa recomendação de dividir por igual com meu irmão aquele precioso conteúdo. Não achava isso justo, eu era o mais velho e maior e por certo eu merecia duas ou três balas a mais. Entretanto engolia essa injustiça para realizar a sublime tarefa de dividir prazeres. Com o cerimonial solene de eventos sagrados, realizava a divisão. Da parte que me cabia guardava um pouco sob a roupa da cômoda, na gaveta mais alta, longe do alcance de outras furtivas mãos. Uma pequena parte ia para os bolsos da calça e uma delas permanecia em minha mão e se desenrolava sob os ligeiros dedos. A saliva saltava da língua até que a bala percorresse aquele imenso percurso de minha mão, à altura do tórax, até minha umedecida boca.

Daqueles sabores restam saudosas e deliciosas lembranças que as balas de hoje, por vezes ainda me permitem vislumbrar. Creio que ainda farão isso com as crianças que terão amanhã, as lembranças de hoje.

Eu estava em uma reunião, todos sérios sentados à mesa. Uma pessoa entra. Saquinho de papel na mão, saca dele um monte de balas que vai distribuindo entre os presentes. As fisionomias mudam, semblantes se abrem, sorrisos afloram. Um desconfiado olha os demais de soslaio como se escondesse deles a intenção de se apoderar da bala. Outro simula algum desdém, mas pega a bala, aperta-a entre os dedos e coloca no bolso do peito.

O clima sério retorna e com ele os adultos e todos os seus encargos, mas por um instante deixaram voltar suas crianças talvez esquecidas, talvez negligenciadas. Mas voltaram ali naquele segundo... sob o efeito da bala.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

PÃO BRANCO

Estou em um supermercado e fui assaltado por sua presença entre os descuidos de pequenas compras.Um pão branco, branco adjetivo, nem gosto de pão e muito menos de pão branco, esse pãozinho francês, popular entre nós. Mas comprei esse pão sem a morenisse costumeira pelo sabor que trouxe à minha memória, retardo comê-lo como se a demora mantivesse a mim a presença de Nath, minha amada filha.

Convoco os olhares de minha memória e a revejo tantas vezes, sempre bela, delicada e firme. Nunca falamos muito, não me dei prazer para isso, mas ainda sinto o roçar de suas delicadas mãos entre as minhas sob seu olhar manso, sereno e com tamanha perspicácia que me perpassa a alma. A Nath é meu amor secreto desde sua puberdade, antes disso, era bem declarado como subscrito de cada fala nossa: eu te amo, eu te adoro! Sua resposta jamais me escapa: eu te amo, eu te adoro.

Emudeço, penso no pão à minha espera o pão branco como a Nath gosta, nunca entendi essa sua preferência, mas hoje agradeço por ela, uma pequena particularidade que a tirou do fundo do meu coração para se presenciar aqui à flor da pele e no fundo dos olhos. Olho no espelho para ver a minha menina.

Além de pão branco a Nath gosta de ovo frito bem passado, mas sem queimar as beiradinhas, deve ficar redondinho para se comer com arroz branco ou sanduíche regado a suco de uva.

Tenho particular sensibilidade a odores, me proporcionam idéias e evocações, mas hoje fui preso por esse pão branco, insensato para todos os demais. Quantos pães brancos temos? Creio poucos com essa capacidade de nos enlevar a sentimentos e pessoas queridas. Mas existem pães brancos a alimentar os pilares de nossa vida. Me parecem de repente tão frágeis. Repenso. Não são frágeis, delicados sim, frágeis não, têm tamanha resistência que sobrevivem aos anos, às chuvas dos olhos, à erosão das mãos e das saudades e das distâncias pra dentro e pra fora da gente.

Estou guardando esse pão branco até à noite quando pretendo comê-lo com minha boca e meus sonhos e poder gozar um pouco mais dessa deliciosa presença que machuca de saudade e embala de alegria.

AS RUGAS DA MADEIRA

Sentado sobre um pequeno tronco de eucalipto acabo por me deter nas frestas, ranhuras, e comidos de cupins desse pequeno pedaço de madeira. Comecei a ler essas escritas e me deparei com uma história (adoro historias, causos, fábulas e mitos).

Era a história de um daqueles cupins que além de encher seu estomago, foi cunhando passagens naquela madeira, acerca daquilo que lhe afligia. Pensava ele como seria o mundo além daquelas cascas. Haveria mundo? Suspeitava que sim, pelo menos para justificar sua simplória existência, peça descartável de uma comunidade de cupins. Havia milhões de irmãos, cada um deles bonitinho cumprindo o papel que a comunidade exigia. Quem ousasse transgredir era posto fora, para um mundo de onde ninguém retornara, para dizer o que havia por lá.

Registrava-o suas inquietudes no corpo daquela madeira, de forma velada e introspecta, já que não tinha com quem compartilhar. Falou ele de seus filhos que não mais conseguia distinguir entre os demais, agora eram outros, como tantos. Não conseguira realizar seu sonho de perenidade em que seus herdeiros lhe cantariam glorias.

Que eram seus sonhos agora? Devorara grande madeira com essa questão martelando-lhe os sentidos. Fizera longos rastros, andou em círculos, fez piruetas inglórias e por fim afundou-se em seu jazigo, sua comida também fora sua sepultura. Seu mundo, emaranhados de caminhos sem respostas.

Pasmei! Salta-me à percepção registros daquela árvore em que sentencia ser suas rugas, os sonhos e devaneios dos outros. Incômodos envelhecedores.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

COMO EU QUERIA

Eu queria escrever diferente, suave colorido e com breve perfume nas palavras, que deleitasse leitores e os acalantasse em horas difíceis ou sem prazer. que proporcionasse uma leitura amena, que entretece sem reflexão e ficasse levemente à flor da pele como um riso solto e despretencioso.
Não consigo!
Não consigo escrever apenas com as mãos e minhas entranhas não têm o frescor das manhãs, são carregadas das sombras da noite e sempre me escapam junto às palavras. Admiro quem consegue fazer isso sem ser banal ou pedante e sem ter o ranço das fantasias melodramáticas. Não consigo. Não sou de estirpe tragável sem arranhar a garganta, me brotam nas palavras a luxúria dos amantes nos bordéis, a dor dos pais que perdem filhos e a de filhos que não tiveram pais. Vem-me o ódio dos vingativos, a perversão dos psicopatas, a frieza dos assassinos, as lágrimas da saudade e o vazio daqueles que passam fome. Um vazio que transcende o corpo e dói na ponta das unhas das crianças que sentem frio, desagasalhadas em noites de rigoroso inverno.
Minha escrita não carrega leveza e sim a densidade, à revelia de mim. Não me furto aos sentires quando ponho pena e papel. Como se vê me resta certo romantismo caricato e torpe, fugidio de um saudosismo negligenciado que permeiam minhas memórias.
Tenho esperança no passado e saudades do futuro, como se de costas caminhasse. Minha escrita é assim, às avessas, brotada sem adubo e sem zelo, dos muitos que me povoam. Não têm identidade. São gritos escapados do silêncio para tingir papel. É ipremeditada, irrompe sem aviso ou licença, quer louros e quer críticas, quer vida, qualquer vida, sem explicações. Não é como eu queria, é o que sou.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

EM CAUSA PRÓPRIA

Recentemente, logo após as olimpíadas, o presidente do COB, Carlos A. Nusman, declarou que é necessário o psicólogo fazer parte das equipes que compõe a retaguarda dos times, sejam individuais ou coletivos, tal qual o fisioterapeuta, o médico, o nutricionista, o preparador físico, etc. Antes tarde do que nunca, pena que levamos tempo para perceber o óbvio e para pelo menos copiar o que os times vencedores vem fazendo há algum tempo.

A China para essa olimpíada manteve um psicólogo para cada equipe, a primeira colocação no ranking de medalhas não é um mero acaso e também não for só por isso, mas sem dúvida contribuiu. A preparação psicológica de um atleta me parece tão necessário quanto sua preparação física, principalmente aqueles de alta performance que vêm sobre si a expectativa de milhões de pessoas pressionando as suas próprias.

A preparação psicológica não é nenhuma panacéia, longe disso, é um exercício contínuo, repetitivo que deve ser praticado todos os dias como qualquer outro treino, não se resolve, como já foi feito no Brasil, colocando um psicólogo na ultima hora como se o cara fosse um milagreiro. Assim não dá pra fazer muita coisa. Há também de se duvidar desses profissionais, como em qualquer outra profissão há psicólogos e psicólogos. O profissional que se submete a essas condições ou desconhece as limitações da própria psicologia ou busca apenas um estrelato (anônimo) que desqualifica um trabalho sério.

Será muito bom se pudermos ver no futuro nossos atletas e times mais seguros e conscientes de si e de seus limites. Antes de superar qualquer outro a superação deve ser pessoal. Talvez ai, possamos ouvir declarações mais consistentes acerca de suas performances além de lágrimas e justificativas desprovidas de concisão. E possamos festejar muitos ouros, lavando nossa alma tupiniquim e elevando nosso orgulho de nação.
Mas cuidado, é fácil psicologizar.

sábado, 23 de agosto de 2008

ONDE O MENOS VALE MAIS

Que o Brasil é um país sui-generis ninguém duvida, tem muita estranhisse por aqui (até piores que o chupa-cabras) e por esses dias tem me assolado um pensamento, deflagrado pela postura (satisfeita?) de muitos dos nossos atletas derrotados em suas disputas por medalhas olímpicas. Parece-me que fazemos uma inversão de valores em que o menos vale mais.

Interessantemente isso se aplica à várias esferas bem distintas. Lendo o comentário de Baremblitt, em seu blog http://estocadadodia.blogspot.com/ sobre quem paga a democracia brasileira. Talvez por milagre (creio neles à revelia de meu ceticismo) esse pagador possa mudar no futuro, mas até hoje quem pagou por nossa vacilante democracia foram os pobres e a classe média. Nesse cenário o menos, tem valido mais, pois é ele que tem carregado não somente a democracia como o crescimento da nação. Mesmo sendo esse um lado bom, tem ele sua face obscura, somente aqueles que sentem na pele os sacrifícios que lhes são impostos (impostos nos vários sentidos) sabem dizer o quanto suas feridas são lavadas a lágrimas.

Estou ficando dramático e com isso desenfoco para outra análise desse menos valendo mais, de maneira mais light e não menos crítica. Lembro-me da Tele Sena, aquela do Silvio Santos, essa mesmo. Pois bem o SS (não é nenhuma alusão à "milícia" alemã) mestre em captar representações sociais alterou a forma de contemplação dessa sua loteria que de inicio premiava apenas quem fizesse mais pontos para também premiar quem fizesse menos pontos. Por trás dessa inocente estratégia, subjaz conceitos de valor em que se você for suficientemente capaz ou tiver sorte grande você ganha, mas de igual forma, se você for incompetente e uma "zebra" social haverá prêmios de consolação que no final valerão proporcionalmente muito mais que aqueles que desprenderam inteligência e esforço. Também sob esse paradigma (- v +) inteligência é igual à esperteza, melhor dizendo, esperteza é igual à inteligência. Se toda boa verdade deve permitir seu paradoxo esse menos que vale mais parece estar garantido: enquanto pequemos se agigantam muitas vezes, gigantes tem se apequenado com freqüência.
E o nosso Futebol?

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O QUE DAMOS E O QUE QUEREMOS?

Começo esse post a lá Minuchin, fazendo uma intervenção bombástica, para acalanto de meus pares da psicologia (nem todos):

- Oferecemos o que nos falta e pedimos aquilo que temos –

O que nos falta nos preenche tanto que nos traz uma pseudo idéia de que o possuímos em abundância. Com isso nos sentimos compelidos a sair por ai distribuindo aquilo que pretensa ou equivocadamente imaginamos estar repletos, compondo um engodo entre nós e o mundo, entre nós e o outro.

Nesse engodo, nos imaginamos altruístas e solidários distribuindo benesses e o outro, com outra visão dessa realidade se sente traído por uma promessa de oferta jamais cumprida. Nós, em contrapartida, fechando esse círculo, nos comiseramos de auto consideração: Como pode ele (o outro) ser tão ingrato? Eu que tudo me dei? O que recebo em troca, senão descaso e desdém?

Está armado o circo, sim porque de longe, se alcançássemos a distância da imparcialidade veríamos nada mais que um circo em que protagonizamos uma palhaçada cruel, cruel por nós e a nós mesmos. Como podemos dar aquilo que não temos? Essa que parece uma lógica perfeita sucumbe sob essas situações que invariavelmente se repetem em nossa vida (ou será apenas na minha?). Desconhecemos, ou queremos tanto desconhecer nossas faltas que as colocamos nos pontos nobres das gôndolas de nossa vida. (Me passa pela mente um pensamento pernicioso que alguém desavisado esteja imaginando essa falta a que me refiro como um delito, não? Não! Que bom que alivio!). Voltemos. Lá estão elas, as faltas, expostas a nos cegar convidando os outros, inocentes (não é sarcasmo) a um deleite que jamais se dará. Construímos com isso, (que ironia) falta nos outros. Espere aí, esse construímos é fruto de meu ostensivo lado narcísico (ouvirão muito falar disso) porque nosso poder não chega a tanto, mas pode se restringir (ou ampliar) a uma provocação. Isso me parece mais justo: nossas faltas acabam provocando a falta nos outros. Lindo não?

Dando-me por satisfeito (por ora e para não delongar demais) a respeito da falta, me dedico ao outro lado da assertiva sobre pedir aquilo que temos. Essa sim é uma ironia das bravas. E maior ironia ainda quando se refere à razão. Quando temos razão (sobre qualquer coisa) cismamos em pedir a razão dos outros, clamamos, imploramos por sua aprovação para ratificarmos o ratificado. Podem observar, com a acuidade que a questão merece, quando alguém tem razão verdadeiramente (isso é raro), cisma em negar, teima em duvidar disso a ponto de requerê-la dos outros.

Outra coisa que se encaixa perfidamente nessa ironia da posse é o amor, quem tem muito amor (nem sempre quem recebe muito, tem muito. Às vezes deixar perder) nunca percebe, se desmancha em dengos e mimos (faz até beicinho) e se diz abandonado. Está tão repleto de afagos e carinhos (isso também é raro) que se percebe não tendo nada. Já para quem falta...(bem, já falei da falta). A pessoa muito amada tende a negligenciar o amor que recebe indo a extremos de abusos com aqueles que a amam (minto?). Ponham isso à prova. Um bom indicador de que é amado, seria, pois se achar o (a) mais reles e abandonado dos seres quando cercado de atenção e afagos. Não vale burlar essa regra forçando-se essa sensação. Pecado! Mas não funciona, a coisa tem que ser autentica mesmo, tão autentica que aquele que de fato viver essa situação jamais a percebera. Cruel e perversa essa sentença, mas é.

Parafraseando Hesse: só percebemos o paraíso, quando dele somos expulsos.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

AUTAS-FALAÇÕES

Não se assustem com o título, não se trata de um atentado à lingua (talvez até seja), à revelia do escritor. Se o talvez for fato, é um fato consciente. Esclareço, e ao final creio que me entenderão.
Há dias em que me levanto querendo não conversar com ninguem, se pudesse passaria o dia exercitando o mutismo, mas justamente nesses dias estou em pleno falatório mental, é tanta idéia e tanto discurso paralelo que me perco em uma porção deles. Daí surge a justificativa para esse titulo, uma junção de auto com altas. Obviamente o auto por ser comigo mesmo (ou com meus famosos botões) e o altas por serem muitos, mesmo que nem sempre (a maioria) tenham tanta altivez.
Nesses ditos dias, me parece também (quero crer nisso) que fico mais criativo (espero que o titulo seja uma prova - espero que creiam nisso), o entrelaçamento dessas idéias parece promover uma simbiose mental em que fervilham pensamentos inéditos e originais, como o de imitar um avestruz (essa é uma critica mordaz comigo mesmo). Mas pasmem tem umas coisas que extrapolam os indíces mais elevados de narcisismo, me sinto o próprio Pessoa com seus vários heterônimos, quero até batizá-los (podem me ajudar nisso) distintamente para que possam com mais propriedade dialogarem entre si. Falarei de algumas caracteristicas deles, separadamente.
Um deles é bem bucólico, gosta de se remeter à paisagens rurais e eternizar sua infância entre os animais, principalmente entre os cavalos com quem tem afinidade atípica, é discreto e circunspecto.
Um outro é bem falante gosta de dominar os referidos papos, dá paltipes em tudo, tem um senso de autocrítica bem atrofiado, mas é simpático e não chega a ser pedante, herdo dele parte de seu narcisismo.
Outro outro é extremamente mordaz com um humor altamente ferino, sua língua afiada não encontra limites para intervenções cínicas e irônicas, geralmente é ele quem faz os comentários entre parênteses, por aí vocês imaginam a fera.
Um outro outro é um obssessivo comedido, organizado e rigoroso, quer escrever sempre coisas que fazem sentido e tenham utilidade, não gosta de desperdícios, nesses dias (os ditos) sofre muito porque se sente improdutivo.
Outro um é um criativo irresponsável, suas idéias são altamente fantasiosas (suspeito que essa alusão a Pessoa seja dele). Essa denominação "crítico irresponsável" vem dos demais que lhe autorizam com certa condescendência dar vazão às suas alucinações. Ele parece conseguir ser uma antítese dos demais num só tempo, é ingênuo, acredita em fadas, em Papai Noel (no Lula não) é verde até na alma, mas não tem nenhuma articulação política.
Como as idéias continuam vindo e indo com muita rápidez, suspeito que existam outros, mas já estou pensando em outras coisas, afazeres fundamentais para nossa sobrevivência (há quem diz que seja uma senzala) cotidiana. Já não sei quem estou escrevendo, espero que não se incomodem se não entenderem muito (não é pra entender mesmo). Fui.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PARTICIPAÇÃO X COMPETIÇÃO

A entrevista de Diane dos Santos e Jade Barbosa me chamaram a atenção sobre um aspecto que creio estar na maioria de nós brasileiros, (sempre ou eventualmente) a resignação. Elas disseram estar satisfeitas com seus desempenhos nas olimpiadas. Fiquei imaginando como é que podem estar satisfeitas se tiveram erros grotescos em suas apresentações, bem abaixo de suas capacidades (creio eu). Já apresentaram desempenhos bem melhores e se resignam a participar de um evento global, acho pouco. Participar é bom, mas é insuficiente nesse mundo altamente competitivo. Não quero fazer nenhuma apologia à competitividade, ela deve ter limites, mas acredito que ela seja hoje parte daquilo que Darwin Chamou de seleção natural. Essa seleção talvez seja mais implacável que aquela a que nossos ancestrais foram submetidos e se quisermos sobreviver, devemos "jogar" esse jogo sob pena de sermos eternos participantes, coadjuvantes resignados em aplaudir o sucesso dos outros. Vencer, ter dinheiro e sucesso ainda nos parece pecado e participar já é o suficiente para que fiquemos satisfeitos e redimidos perante nós mesmos. Enquanto a Diane cometeu os mesmíssimos erros da última olimpiada e ficou satisfeita, o Diego Hipolito chorou e pediu desculpas pelo seu fracasso. O Diego é altamente competitivo, em entrevistas anteriores ele já deixou claro que gosta é de vencer. Outro caso parecido é do Judoca (não me recordo do nome, parece ser Eduardo) que tambem pediu desculpas à familia por não ter sido competente o suficiente para vencer o seu adversário. Essas são atitudes respeitáveis de pessoas que não se contentam com menos do que poderiam. Mesmo assim não devem ser olvacionados por isso, como fizeram com o judoca, só porque o cara chorou na entrevista, acham que ele é um heroi e o tratam como se tivesse ganhado medalha. Ele merece respeito sim, pelo seu esforço e por sua atitude, não mais que isso. Precisamos deixar de louvar a simples participação, como se ela nos engrandecesse. Isso, não é verdade, engrandecemos aqueles que acabam nos vencendo com todas as capacidades e potenciais que temos. Talvez minha posição seja bastante controversa, principalmente pelo conjunto de crenças que nos embala desde o descobrimento sob o acalanto da Igreja Católica e do indolente extrativismo de nossos indios. Mas creiam não estou falando de outro que não seja eu próprio como brasileiro característico que teima em romper essa barreira da resignação participativa para entrar sem tanta culpa no mundo global competitivo.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

MEDIOCRIDADE? ONDE?

Existem algumas palavras, cujo sentido escapam de suas definições. Exemplo disso é a mediocridade. Em sua definição dicionária, enconcontramos medíocre como sendo: mediano, sofrível, vulgar, ordinário, que não é bom nem mau, ou aquele que tem pouco mérito. Enquanto definição literal, medíocre não é tão medíocre assim, porém quando entramos em sua significação (representação) social a coisa muda de figura. O sujeito medíocre não é aquele apenas desprovido de méritos, é aquele desqualificado mesmo. Ele não se encontra na média como sugere o termo, distante disso. Talvez a definição que mais se aproxime da real significação de medíocre seja o sofrível, mesmo assim ela ainda me parece aquém da conotação desqualificante que o termo socialmente sugere.
Ser medíocre é estar abaixo do baixo e ainda por cima (que acham do trocadilho?) querer parecer mais alto.
Talvez esse sentido, que extrapola a definição, decorra de uma condição que subjaz as esferas que a constituem. Explico. Estar na média é ocultar-se, é perder a visibilidade, talvez até mesmo a identidade. Aqueles que estão acima e os que estão abaixo serão sempre percebidos entre louros e críticas de toda a sociedade, porém aos medíocres resta a indiferença, mas não é uma indiferença comum, é uma indiferença marginalizada e cheia de desprezo, bem peculiar.
Medíocre é o médio do médio do médio, tanto que por mais que se procure ele estará sempre no meio escapando(?) das críticas e por isso, totalmente criticável. Justiça social?

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

FEITIÇO CONTRA FEITICEIRO

A despeito do título meio chulo (bastante), ele de fato me ocorreu. Ao aplicar uma prova de seleção, um dos candidatos, em sua redação, tinha a delicada preocupação de explicar entre parênteses aquilo que tentava dizer. O texto tratava de um diálogo entre personagens, e ele (o autor) não satisfeito com a perfornance de suas criaturas traduzia o que ele imaginava necessário para que o ("inteligente") examinador pudesse entender.
Resumindo, o diálogo entre os personagens era muito ruim. Valorizei os comentários. Mesmo sem apresentarem adequada e literalmente o uso dos parênteses, estavam bem melhores. Afinal, (pensei com meus botôes) não poderia deixar de valorizar os (preciosos) comentários à parte como uma redenção a meus próprios pecados. Amem!

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O NOBRE SILÊNCIO

Um provérbio chinês diz algo mais ou menos assim:
"se você não tem nada de bom a dizer é melhor guardar o nobre silêncio".
O provérbio, muito sábio por sinal, apresenta um pequeno problema, o que fazer com nossa loquacidade não tão nobre quando ela transborda nossos limites de contenção? O que fazer quando necessitarmos expurgar um monte de baboseira estacionada na ponta de nossa lingua? Engolir tudo isso, nos traria por certo muita indigestão além de algumas patologias somatizáveis. E o peso disso então. É de deixar os ombros arquejados. Vejo então duas saídas (estou aberto a sujestões), a primeira delas é alugar um bom ouvido (ou mais de um, conforme a quantidade de besteiras) e dar vazão à logorreira. O ouvido, de preferência, deve pertencer a um amigo, porque apenas os amigos conseguem conter a vontade de nos mandar para aquele lugar, outros geralmente o fazem e ai aumenta o estoque de besteirol acumulado e dá-lhe circulo vicioso. A segunda alternativa (com vantagens e desvantagens) é fazer o que faço agora, escrever. Entre as desvantagens não temos os olhares lânguidos e condescendentes e as mãos generosas dos amigos a nos confortar quando extrapolamos os limites da racionalidade (isso sempre ocorre, onde ja se viu besteiras racionais). Entretanto, entre as vantagens dessa segunda opção está a "graça" de não ferir o velho e sábio proverbio chinês. Podemos abusar da falação e do conteúdo e ainda guardar o nobre silêncio. Eu não disse nada.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

JUSTIFICATIVAS CONSTITUINTES

Qualquer justificativa que se preze deve ser mínima, apenas o suficiente para não deixar passar em branco um certo zêlo com aqueles que se interessam, entretanto, se delongar é sinal que busca explicar o inexplicável e o desnecessário.
Por isso (entreparenteses) é tudo isso que imaginam e não imaginam.
Estarão por aqui alguns de meus ditos e porque não des-ditos também.
Começo pensando entreparenteses:
se somos aquilo que reiteradamente repetimos,
quando seremos originais?
senão entreparenteses?

ENTRE PARENTESES

Entre parênteses é um espaço
entre o que foi dito
e o dito.